Por que Estudar Retórica?
A Arte da Persuasão
“O orador, então, que pretendo formar, será o orador definido por Marco Catão como ‘um homem bom, habilidoso na arte de falar'. Mas, acima de tudo, ele deve possuir a qualidade que Catão coloca em primeiro lugar e que, na própria natureza das coisas, é a maior e mais importante – isto é, ele deve ser um homem bom. Isso é essencial não apenas pelo fato de que, se os poderes da eloquência servirem somente dar armas ao crime, não pode haver nada mais pernicioso para o bem-estar público e privado; mas também porque eu, que me esforcei ao máximo para contribuir com algo de valor para a oratória, terei prestado o pior dos serviços à humanidade se forjar essas armas não para um soldado, mas para um ladrão.” Quintiliano (Institutio Oratoria, XII.1)
A retórica é a coroa das artes verbais. O trivium é composto por três disciplinas relacionadas à linguagem, a saber: Gramática, Lógica e Retórica. A gramática foca na composição de vários tipos de frases, na compreensão de suas diversas partes e relações, a fim de capacitar os alunos a entenderem claramente e comunicarem ideias expressas por meio da linguagem. A lógica, fundamentada na gramática, ensina os alunos a organizar conjuntos de afirmações (frases que expressam enunciados verdadeiros) para formar argumentos a favor ou contra uma ideia. A retórica assume o comando tanto das artes gramatical quanto da lógica, agregando a elas a arte da persuasão. O objetivo de um retórico é utilizar as palavras de modo a incitar seu público a realizar alguma ação ou modificar suas convicções acerca de um assunto.
O termo “retórica” traz um gosto amargo à boca de muitos que o utilizam hoje em dia. O uso popular da palavra associa-a a manipulação e propaganda. Normalmente, o termo aparece em declarações como “Já tive o bastante da sua retórica". Ou, talvez, “Ah, isso é apenas a retórica do Partido Republicano". Em outras palavras, a maneira como o termo retórica é usado popularmente hoje o tornou sinônimo de “mentiras”. Experimente substituir “retórica” por “mentiras” nas duas declarações acima… percebe?
Para ser justo, a retórica tem uma longa história de mau uso e abuso, o que lhe rendeu essa reputação. Platão e Sócrates foram criticaram bastante os retóricos de sua época, pois muitos deles eram, essencialmente, persuasores contratados. Uma das principais áreas em que as habilidades retóricas eram empregadas na Grécia Antiga era perante os tribunais em julgamentos criminais e cíveis. A sala de audiências continua sendo, nos dias de hoje, um importante espaço para as artes retóricas, e sabemos que a opinião geral sobre os advogados não mudou muito desde a época de Platão.
A principal crítica de Sócrates à retórica, no entanto, não era propriamente uma crítica à própria arte, mas sim à maneira como muitos retóricos profissionais a utilizavam, isto é, a serviço da injustiça. No diálogo de Platão intitulado Górgias, essa preocupação surge repetidamente, sendo colocada em primeiro plano por Sócrates. Naquela discussão, Sócrates afirma com razão: “Se fosse necessário tanto cometer o mal quanto sofrê-lo, eu escolheria sofrer em vez de cometê-lo”. Amém. Pois aqueles que praticam o mal, na verdade, acabarão sofrendo mais danos, no final, do que aqueles a quem foi feito o mal. Não acredita? Leia A Consolação da Filosofia, de Boécio, e depois volte a me procurar.
Sócrates era extremamente crítico com aqueles que persuadiam seus ouvintes a adotar certas crenças ou ações sem se importar com a verdade. As artes retóricas podem ser extremamente poderosas, mobilizando indivíduos e grandes multidões a agir – às vezes de maneira drástica – e, se isso for feito por qualquer motivo que não seja o que é verdadeiramente justo, trata-se, de fato, de algo muito perigoso e perverso. Advogados que se empenham para que assassinos, ladrões e pedófilos fiquem impunes estão fazendo algo realmente maldoso. O direito a um julgamento justo não deve significar proteger os culpados da punição; antes, deve garantir que sejam punidos de forma justa e proporcional ao seu crime. Existe uma maneira de defender justamente um culpado, mas, frequentemente, isso não acontece. Por isso, as pessoas odeiam os advogados.
Quintiliano, a quem pertence a citação no início deste artigo, foi um orador romano e professor de retórica. Ele também reconheceu os potenciais males para os quais essas habilidades poderiam ser empregadas. Por isso, enfatizava a necessidade de ensinar a virtude a seus alunos, para que se tornassem homens bons, que falassem bem e em defesa da verdade e da justiça. É nesse espírito quintiliano que os cristãos devem abraçar as ferramentas da retórica e empregá-las para os propósitos do Reino. A retórica, assim como armas e colheres, é amoral. Armas não matam pessoas; pessoas matam pessoas. Colheres não engordam; a intemperança sim. A retórica não manipula de forma perversa as pessoas para que acreditem em mentiras – são as pessoas perversas que o fazem.
Se os cristãos não ensinarem e estudarem a retórica, deixaremos a nós mesmos e aos nossos vizinhos vulneráveis à manipulação, permanecendo impotentes para agir. Assim como não devemos permitir que apenas criminosos tenham armas, tampouco devemos aceitar que somente os perversos possam utilizar as ferramentas da persuasão. Devemos aprender a arte da retórica para que os inimigos da justiça e da verdade nunca possam nos dizer: “Eu o desafiaria para uma batalha de inteligência, mas vejo que você está desarmado".[1]
No que se segue, oferecerei apenas um breve esboço do que é ensinado na disciplina da retórica.
Os Cânones da Retórica
Cícero, em seu De Inventione, escreve sobre os cinco cânones da retórica, a saber: invenção, disposição, estilo, memória e entrega. Cada um deles enfoca uma parte diferente da preparação de um discurso.
Invenção: Como o nome sugere, esta é a parte inicial do processo criativo de elaboração de discursos. Nesta fase, o orador decide exatamente qual será o seu tema, quais serão os pontos principais a serem abordados no discurso e o que os seus oponentes poderão dizer em resposta.
Arranjo: Uma vez concluído o processo de invenção, torna-se necessário organizar o material da forma mais adequada à ocasião. Normalmente, a estrutura de um discurso deve incluir os seguintes elementos:
- Introdução: Aqui você apresenta o seu tema e desperta o interesse dos ouvintes pelo que tem a dizer. Você pode fazer isso compartilhando uma anedota, fazendo uma referência histórica a uma ocasião semelhante àquela que você está prestes a abordar, fazendo uma série de perguntas para estimular o desejo dos ouvintes por respostas, citando uma excelente frase de um livro famoso ou de uma autoridade sobre o tema, ou, em alguns casos (se a urgência e o drama assim o exigirem), você pode omitir a introdução e ir direto ao cerne do seu discurso.
- Narração: Nesta seção, o orador deve expor claramente as questões em debate que demandam ação ou mudança de opinião/disposição por parte do público. É apropriado apresentar de forma sucinta os fatos da questão sobre os quais todos devem concordar. Por exemplo, se o objetivo é persuadir o público de que o aborto é um grande mal, você pode apresentar estatísticas sobre aproximadamente quantos abortos ocorrem anualmente nos Estados Unidos, ou expor as diversas razões geralmente citadas para que o aborto permaneça legal, etc.
- Divisão: Neste ponto do discurso, deve ficar claro onde residem as discordâncias. Utilizando o mesmo exemplo, o orador pode reconhecer que muitas circunstâncias podem tornar uma gravidez indesejável (por exemplo, a falta de estabilidade financeira, a ocorrência de gravidez em decorrência de abuso sexual, etc.), mas afirmar que os nascituros são seres humanos valiosos, com direito à vida.
- Prova: O termo pode induzir a erro devido ao uso moderno da palavra “prova”. Esta seção destina-se, essencialmente, a fundamentar o seu argumento por meio de diversos tipos de raciocínio. Suas “provas” são as razões pelas quais o público deve adotar a sua perspectiva sobre o tema.
- Refutação: Esta seção antecipa as objeções que podem ser levantadas contra as suas provas e as responde de forma direta. Quando executada eficazmente, esta parte do discurso deixa o público sem argumentos contrários à sua visão, pois você já respondeu a suas críticas antes mesmo que pudessem ser apresentadas.
- Conclusão: Aqui o orador reflete sobre o que deseja deixar ecoando nos ouvidos do seu público. É importante encerrar com um estrondo e não com um suspiro. Existem muitas maneiras de fazer isso. Você pode concluir a história que deixou em suspenso na introdução, pode relatar como deixou seu ponto bem claro e refutou todas as objeções razoáveis, ou terminar com uma citação autoritária que feche o assunto de forma contundente. Cabe a você avaliar a situação e decidir o que for melhor.
Estilo: Tendo escolhido o tema e organizado o discurso para se adequar à ocasião e ao público, resta o trabalho de lapidar e refinar. Como você diz é, pelo menos, tão importante quanto o que é dito. Nesta etapa de preparação, o orador examina minuciosamente a escolha de palavras, a ordem delas nas frases, e brinca com tropos e esquemas. O grande orador não deixa nenhuma palavra sem a devida atenção em sua mente. Assim como um mestre decorador de uma casa, ele se certifica de que nenhuma palavra esteja fora do lugar, nenhuma alusão passe despercebida e nenhuma metáfora soe vazia.
Memória: Aqui o orador se dedica a conhecer seu discurso de cor. Ele pode fazer uso de “palácios da memória”, de dispositivos mnemônicos ou de muitos outros truques para manter seu discurso nítido em sua mente. Quanto menos depender de anotações, mantendo-se fiel ao domínio de sua composição, mais confiante e seguro parecerá, demonstrando que é o mestre do que está dizendo. Poucas coisas persuadem tanto quanto aparentar saber do que se está falando.
Entrega: Além de falar com precisão de cor, há outros aspectos a serem considerados para uma boa apresentação do discurso. Volume, para que se ouça bem, mas também variação na intensidade quando apropriado. Gestos, movimentos corporais fortes e intencionais que correspondam ao que está sendo dito (em oposição a gestos fracos e sem sentido). Uso intencional do palco, sem inquietação. Postura corporal adequada e a manutenção de um olhar firme. Cadência, tom, etc.
Modos de Persuasão
Além dos cânones da retórica, os modos de persuasão também precisam ser considerados. Enquanto os cânones se concentram no conteúdo, os modos focalizam as forças reais que motivam as ações e alteram a opinião do público. Existem três modos de persuasão que têm sido geralmente reconhecidos desde os tempos antigos e que permanecem válidos até hoje.
- Logos: Refere-se ao modo de persuasão que apela à razão humana. São argumentos centrados na lógica. As premissas são expostas e as conclusões, extraídas. Se o argumento for sólido (válido em sua estrutura e com premissas verdadeiras), o ouvinte deve ser persuadido pela conclusão, mesmo que, antes de ouvir o argumento, possuísse uma opinião diferente. Paulo procura persuadir os filósofos atenienses dessa maneira quando argumenta: "Assim, visto que somos descendência de Deus, não devemos pensar que a Divindade é semelhante a uma escultura de ouro, prata ou pedra, feita pela arte e imaginação do homem".
- Pathos: Se a humanidade fosse apenas um animal racional, o logos bastaria. Contudo, é consenso que o homem não é apenas racional, mas também emocional. Nesse cenário, o pathos é o modo de persuasão que apela para as emoções humanas. Um exemplo clássico disso é quando Antônio apelou às emoções do povo romano durante seu discurso fúnebre em homenagem a Júlio César. O discurso inicia de forma célebre: “Amigos, romanos, compatriotas, emprestem-me seus ouvidos…”
- Ethos: Este modo de persuasão, em alguns aspectos, tem menos a ver com o que o orador diz e mais com quem ele é. Ethos refere-se ao caráter do orador e ao peso de sua pessoa, ou personalidade, para conquistar a confiança de seus ouvintes. Neste caso, eles podem não conhecer ou compreender seu raciocínio para o que ele deseja que façam, nem estar particularmente emocionalmente ligados à questão, mas confiam e respeitam o orador, e ele lhes diz que devem se importar e agir, e assim o farão. Heródoto diz de Temístocles que “os atenienses foram persuadidos por suas palavras. Pois estavam agora prontos para fazer tudo o que ele aconselhava; já que sempre o haviam considerado um homem sábio, e ele recentemente provou ser verdadeiramente sábio e de bom julgamento”.
Na verdade, a maioria dos bons discursos envolve, em alguma medida, os três modos de persuasão, mas a ocasião e o público determinarão qual modo deve receber a porção maior.
Cristãos e Retórica
Agostinho disse: “A verdade é como um leão; você não precisa defendê-la. Solte-a; ela se defenderá sozinha”. Ele não está errado, a verdade tem dentes próprios e é o aliado mais poderoso que um orador pode ter à disposição. Isso é parcialmente verdadeiro porque, como Mark Twain afirmou, “Quando você diz a verdade, não precisa se lembrar de nada”. As mentiras têm uma maneira de te alcançar e destruir sua credibilidade.
Mas, embora eu dê crédito a Agostinho por ter dito algo importante e, em grande parte, verdadeiro, acho que todos já presenciamos o homem que fala a verdade ao lado do homem que fala mentiras, percebendo, com horror, que o mentiroso estava conquistando a audiência. A verdade pode ser um leão, mas uma verdade apresentada de forma fraca é como um leão doente e choramingando, o qual ninguém teme. A arte da retórica, nas mãos de pessoas boas, é uma arma importante a ser utilizada contra aqueles que, de outra forma, manipulam o público para seus próprios fins maléficos ou para os interesses de quem está pagando as contas do orador.
Os cristãos têm a obrigação moral de falar a verdade. Os líderes cristãos têm a obrigação moral de fazê-lo bem.
Poderíamos passar muito tempo examinando os discursos/sermões dos profetas, de Jesus, Pedro e Paulo e anotando a maestria com que fazem uso dos cânones da retórica e dos modos de persuasão. Não há nada de incongruente com o cristianismo em persuadir as pessoas a acreditarem no que é verdadeiro. Quando a verdade e a justiça são tanto os nossos meios quanto nosso fim, não há limitação cristã para a tenacidade e o vigor com que devemos buscar persuadir nosso público. É testemunho consistente das Escrituras, e dos santos ao longo da história da igreja, que temos a responsabilidade de falar o que é verdadeiro e devemos usar quaisquer meios bons e justos à nossa disposição para servir ao reino de Cristo.
Do ímpio orador, o Salmista escreve: “Porque não há retidão na boca deles; as suas entranhas são verdadeiras maldades, a sua garganta é um sepulcro aberto; lisonjeiam com a sua língua". Mas, sobre o justo, o Salmista diz: “Aquele que anda sinceramente, e pratica a justiça, e fala a verdade no seu coração. Aquele que não difama com a sua língua, nem faz mal ao seu próximo, nem aceita nenhum opróbrio contra o seu próximo; a cujos olhos o réprobo é desprezado; mas honra os que temem ao Senhor; aquele que jura com dano seu, e contudo não muda. aquele que não dá o seu dinheiro com usura, nem recebe peitas contra o inocente. Quem faz isto nunca será abalado”.
Amém.
1 A maioria das pessoas atribui esta máxima a Shakespeare, mas, aparentemente, é desconhecido quem a proferiu primeiro.
Original: Why Should Christians Study Rhetoric? - Traduzido com permissão do autor.